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A MALDIÇÃO DO ACORDO DE ROMA
POR
UMA DIMENSÃO FILOSÓFICA DO PERÍODO PÓS-SAMORA
FARUK MÁRIO FERRÃO HALLO
O tempo não é capaz de voltar à história, mas é capaz de
repetir a mesma história. Inconcebe-se que “a história enquanto ciência do
impossível, na medida em que do passado nada se pode alterar” se não a sua
moral ao presente, retornemos ao mesmo passado para desfrutarmos de uma tal
felicidade, muito menos retornariamos ao Acordo de Roma para que tivessemos um
novo começo pelos erros propositados, mas é possível que, enquanto partícipes
do presente que não desejamos, sirvamo-nos disto como produto amargo de sua
experiência, para que o futuro não amaldiçoe as próximas gerações; por isso, Cabe-nos
pela experiência de hoje e de maneira mais urgente, providenciar elementos
alternativos para que o futuro renuncie todos os valores actualmente vividos, e
isto passaria por rejeitarmo-nos hoje e agora, ainda que nos pudéssemos
questionar se para tal, teríamos que ignorar todo um passado, sendo que
produtos do mesmo, ou melhor, a que passado a nossa actualidade responde?
De entre as opiniões que nos fossem
pacíficas, o fim seria único e urgentemente o mesmo, a rejeição do que é-nos
dado viver, e isto significa mudança, a mudança do homem como o animal
privilegiado em todo o reino zoológico, aquele que para além de se dar conta da
sua existência, tem-se com o papel de a influenciar, mudando de rotina, de
vida, de escolha e de opinião.
Faruk Mário
Ferrão Hállo
CARO LEITOR…
Se me questionares sobre quem é o
político, certamente que lhes identificarei pelos bens materiais que possuem,
pelo tipo de autoridade que exercem sobre os outros, pelas promessas falsas e
pela mendigues de votos em momentos de escrutino.
Mas se te questionasse sobre quem é o filósofo,
provavelmente me dirias: não sei, ou mesmo nunca vi, mas admitirias que tens
ouvido falar de filosofia nos discursos políticos, nas reprovações dos
estudantes do Ensino Geral, ou pior ainda, nas exclusões aos exames da primeira
época, em debates inacabados, nos discursos aparentemente contraditórios, na
história das revoluções científicas e sociais, ou simplesmente na fala dos
actores de novelas.
Poderias-me também responder que
filósofo é o indivíduo que pode facilmente, contornar o sentido de um
pensamento sem que o altere da sua verdade, e que várias vezes, tens ouvido em
debates juvenis alguém se intitulando filósofo, mas provavelmente não pudesses
perceber que seria pelo facto de nunca ninguém lhe ter discordado dum
pensamento brilhante, mas contraditórios aos objectivos políticos de um regime
em determinada época; em última instância talvez alegasses que filósofo é
Severino Ngoenha, por ter proposto que o experimento Filosófico acontecesse no
Sistema Nacional de Ensino. Mas acredito que se compreendesses efectivamente
sobre quem é o filósofo, darias-me as costas e abandonarias o local da
conversa.
Como sempre,
diferentemente da Política, a Filosofia enquanto movimento emancipador, é
solidária em aposentar todas as tendências de respostas que o homem lhe achar
favorável, aliás, é ao próprio homem que Filosofia enquanto manifestação da
razão e do espírito procura realizá-lo à medida da sua insatisfação, sem que em
volta disto recaia o indesejado. É nesta velocidade que as contradições entre a
Filosofia e a Política atingem contornos alargados,
desde a morte de
Sócrates aos dias de hoje, desde o Acordo de Roma ao Acordo da Instabilidade
Militar.
Com o Acordo de
Roma, não se esperava que Moçambique passaria a graduar positivamente na escala
dos países mais corruptos na proveta internacional, que o chá de Guruè serviria
apenas para exportação, que as regiões Centro e Norte não fariam parte do mesmo
Moçambique, que a nudez de muitos implicaria o exagero de poucos, que a
opressão da maioria significaria libertinagem da elite, que os quadros fossem
corrompidos pelo mercado de trabalho, e que existiriam mais problemas no seio
do governo que os problemas da própria nação.
Mas com o Acordo
da Instabilidade Militar, chega-se a conclusão que o povo completava vinte anos
da sua exclusão nos planos quinquenais, e que Papa João Paulo II intermediou o
Acordo de Paz porque o Vaticano pretendia recuperar as instituições perdidas
pela autoridade de Samora.
Faruk Mário Ferrão Hállo
INTRODUÇÃO
Entre várias circunstâncias que o homem
tem-se confrontado em seu processo de vida, o fenómeno político tem-se mostrado
incontornável ao seu dia-a-dia, ao mesmo tempo que o filósofo mantém o ímpeto
da sua progressão.
É no contexto das metamorfoses que
deram início após a assinatura do Acordo de Roma, que nos remeteremos a uma discussão filosófica sobre as oscilações
politicas que se observaram a partir do período em que se assiste a ruptura do
paradigma samoriano.
A iniciativa para que pudesse existir
um acordo, que mais tarde passou a chamar-se Acordo de Roma, pela situação
espacial ao qual foi concretizado, deu início a falsificação de todos os modelos
de administração que vinham sendo levados pelo presidente Samora.
Em 19 de Outubro de 1986 foi julgado e condenado por razões que só o tempo
viria interpretar. Volvidos seis anos, veio a acontecer no processo histórico
de Moçambique a primeira ousadia; sugere-se um Acordo que só se dissociou do
plano teórico e burocrático em 04 de Outubro de 1992.
A ideia fantástica de um acordo que
viesse unir duas forças beligerantes trazia consigo o pensamento brilhante de
um país que pudesse ser construído de maneira mais delicada, onde o erro de um
pudesse ser percebido pela experiência do outro, um país construído pela sua própria
autonomia, uma nação que reserva-se consigo a experiência do passado rumo à
emancipação real.
O
compromisso acordado não era daquele que justa ou injustamente se rebelou
durante os dezasseis anos, não era daquele que silenciou Cardoso e Siba Siba, e
muito menos seria daquele que desabitou os bancos e permitiu que os cofres
estatais fossem arrombados.
O Acordo ou ousadia com a qual nos comprometemos promoveu,
no cenário da política regional e internacional, a imagem de Moçambique como o
exemplo a seguir, ao mesmo tempo que galgávamos esperançados a um Futuro Melhor,
só não fomos capazes de percebermos que precisávamos de muito mais que um
simples Acordo de Roma, um acordo que não se limitasse somente na cessação de
morte de inocentes, do calar das armas e da destruição dos bens do estado;
carecíamos antes de mais, de um acordo que trouxe-se consigo o elemento
inovador quanto a emancipação à que se pretendia, julgávamos que, com a
obtenção do Acordo de paz nos encontraríamos preparados para convivermos em um
ambiente moderado, só não nos apercebemos que, em paralelo, corríamos em
direcção à nossa própria condenação, na medida em que não nos era apto, naquela
altura, relacionarmo-nos com uma realidade que nos fosse tão nova; consequentemente,
hoje somos julgados pela instabilidade militar e pela falta de consciência cívica,
hoje respondemos pelos erros cometidos,
e pelos mesmos erros, somos sancionados pelas adversidades que compõem o nosso
dia-a-dia, pelas necessidades irrealizáveis, pela globalização que já é
inevitável, pela dependência externa, pelas políticas importadas e desajustadas
às pretensões da maioria, pela condenação do povo em detrimento da liberdade da
elite, pela viciação das culturas locais e pela ignorância impressa nas futuras
gerações.
A paz, que
hoje é colocada em causa, só é digna de ser vivida quando levada em colectivo,
não é propriedade de grupos restritos, pois o pressuposto do acordo com o qual
fora concebido era que fosse partilhada por todos, por isso exige de todos, o
mesmo.
Carecíamos, antes de tudo, de uma libertação teórica que
nos habilitasse, na medida do possível, a conter as emoções pelo que viria,
razão pela qual não nos mostramos suficientemente honrados por aquilo que veio a
concretizar-se em 04 de Outubro de 1992, a posterior à assinatura, foram
marginalizados todos os aspectos de ordem axiológica, a vida da nação era
definida ocasionalmente, circunscreve-mo-nos em um modelo de liberdade que se
definia em uma vida isenta de prestação de contas, e nem de uma Filosofia clara
sobre o tipo de sociedade pretendida futuramente, muito menos se procedeu à
definição do que significaria ser moçambicano, pelas escolhas que optamos após
o Acordo, vimos anuladas todas as influências que a experiência do passado
teria sobre o futuro.
Após o Acordo, surge-nos a primeira maldição, instalando-se
em toda a função pública e a todos os níveis, desde o primeiro ao último
Ministério, da maior à menor organização social, confirma-se a expansão da
poligamia e do vírus do SIDA, a família começa a desintegrar-se,
independentemente da vontade dos antepassados a crença religiosa acaba em opção
individual; os filmes da Hollywood acabam em realidade na capital do país, os
criminosos são credenciados para desenvolverem o seu ofício,os
bem-intencionados tornam-se apenas memória do povo, ao mesmo tempo que o poder
judicial disfarçava a opinião pública; com a primeira maldição consuma-se a
extinção dos bancos BPD e BCM; enquanto que a filosofia do cabritismo surgia na
medida em que o crime organizado era dela resultante.
Desesperados por tudo que não seria, a segunda maldição concretiza-se na medida em que a
diabolização do subjectivo assume outras variáveis - o egocentrismo exagerado;
a exaltação do eu atinge todos os patamares do sentimento humano, o bem é
praticado em função de um retorno ao próprio praticante, enquanto que o povo
deixava de ser objecto dos planos quinquenais; com a segunda maldição, as
actividades laborais terminam em rotina para que o salário aconteça, a
vulnerabilidade do sistema dá-se pela promoção do género; as religiões acabam
institucionalizadas ao poder politico, o Conselho Cristão acaba não sendo, a
sociedade civil disfarça a opinião pública, os mais fracos tornam-se maleáveis
aos mais fortes, a prostituição infantil surge então! incrivelmente, o
desenvolvimento económico marginaliza o desenvolvimento social; enquanto que o
Estado da Nação melhora em função dos relatórios, frustrada por não alcançar os
seus intentos, a liberdade de expressão rompe os seus próprios limites,
revoltados por tudo, a media independente multiplica-se e se expande.
Com a
segunda maldição, a diabolização do Acordo de Roma atinge o ponto mais elevado,
torna-se mais real e concreto, invadindo os quintais, tomando conta da vida
individual das pessoas, corrompendo a mente dos inocentes, multiplicando a
tristeza das crianças pela autoridade das mães sobre os pais, vandalizando as farmácias
públicas pela promoção das privadas, viciando as pautas do Sistema Nacional de
Ensino, viciando os créditos bancários, reduzindo o poder de compra e, alegrando-se
por assistir pais e encarregados de educação em pânico pelo salário que não
satisfaz a mensalidade. A segunda maldição diaboliza a relação entre vendedores
ambulantes e a polícia municipal, entre os tchovas e os autocarros, com a
segunda maldição assistimos destronada a dignidade do partido Frelimo.
Com a segunda maldição, a ressureição de Samora acontece
disfarçadamente em estátuas idolatradas,tanto
é que, a sua figura acabou refém de discursos políticos até hoje ouvidos.
Pela realidade a
que nos encontramos, onde a cada ano o contrabando de madeira não para de
cessar, onde a polícia não para de colaborar com os criminosos, onde as balas
perdidas não deixam de ser enigma, onde a cada sessão parlamentar as opiniões
dos partidos da oposição não deixam de ser negligenciadas; e muito ainda,
quando a cada escrutínio a democratização do poder vem ignorando a decisão do
povo, vemo-nos obrigados a invalidar o presente para que o futuro não condene
as próximas gerações; podemos melhor que no passado, construir a imagem de uma
nação nova, capaz de julgar e condenar a sua própria actualidade, uma nação
proposta a novos desafios e a novas conquistas, uma nação capaz de se situar em
seu próprio tempo e espaço, uma nação que rejeite todas as tradições assumidas
aquando do Acordo de Roma, mas também, uma nação que não seja necessariamente à
imagem paradigmática de Machel.
A proposta para uma reflexão filosófica sobre aspectos não
menos marginalizados para a construção de um Moçambique verdadeiramente edificado,
um Moçambique opinado a um futuro menos pior que o presente a que está
condenado deve ser aceite por uma obrigação moral de todos, sem que no entanto,
se releve o estatuto social de cada participante, na medida em que cada um, em
seu espaço concreto, se torne elemento activo de um todo que se quer realizado
na imagem que sempre se esperou; e mesmo que espinhosa, esta batalha que nos é
árdua, a Filosofia prontifica-se em oferecer-nos caminhos que nos felicitem em
contínuas tentativas, sem que por isto legitimemos o nosso presente pelos erros propositados
no passado!
Faruk Mário Ferrão Hállo
“A arte de viver
consiste em tirar o maior bem do maior mal”– Santo Agostinho